Meu nome é Érica, sou professora de espanhol, médica e esposa de um disléxico há 8 anos. Há muito tempo venho pensando em escrever minhas impressões pessoais e profissionais a respeito da dislexia e do aprendizado (que inclusive foi o tema da minha monografia de fim de curso na graduação em Medicina). E acredito que agora seja um bom momento para isso, devido ao fato de que meu marido ingressou no grupo virtual "Amigos da Dislexia".
Percebi que diversas questões são levantadas por pais e por pessoas que convivem com os disléxicos neste grupo, inclusive em relação ao uso de medicamentos, na tentativa de ajudar os disléxicos a se curarem ou pelo menos a melhorarem sua performance acadêmica. Bom, é aí que começa meu depoimento...
Quando estamos emocionalmente envolvidos com pessoas que apresentam algum tipo de padrão fora do "normal", tendemos a ficar angustiados e apreensivos por aqueles que amamos. Tanto faz ser um padrão físico, emocional, comportamental, social ou de qualquer outra natureza. Aqueles que não se encaixam na normalidade do grupo em que estão inseridos tendem a ser marginalizados. E não queremos isso para aqueles que nos são caros. Então tentamos de várias formas fazer com que as pessoas se "encaixem", se "adequem", para que possam ser aceitas e não serem motivo de risadas e chacotas, para que nós, os "normais", fiquemos mais tranqüilos.
É bom saber que nossos entes queridos também são plenamente aceitos, não é? E que sensação boa quando seus males são aliviados ou curados! E que alegria ver que todos estamos trilhando o mesmo caminho para a felicidade e o sucesso! E é muito bom poder ajudar.
Certamente são posturas nobres e que exigem, às vezes, um enorme esforço daqueles que são "normais", porque não é fácil para nós conviver com pessoas que estão constantemente nos surpreendendo com diferenças com as quais nem sempre conseguimos lidar de forma positiva. E de vez em quando nos desesperamos e até mesmo tendemos a desistir, porque é muito desgastante ficar por anos a fio buscando a resolução de um problema que parece insolúvel. Por outro lado, os disléxicos também se esforçam muito para se adaptar ao mundo como ele deve ser, mas nem sempre conseguem ver progressos apesar de todas as exaustivas tentativas. E sofrem. E deste sofrimento vem a irritabilidade, a raiva, a ira, o ódio e a vontade de jogar tudo para o alto.
E o sentimento de inferioridade, de derrota, de fracasso como pessoa e como profissional. Aquele que nunca vai conseguir ser ninguém na vida porque nasceu com um problema no cérebro. E os que são normais não conseguem encontrar a cura para esse mal. E os disléxicos tornam-se um fardo para os outros e um peso morto para si mesmos. Simplesmente chegamos a um beco sem saída...
Até que, num belo dia, alguém que diz ser disléxico aparece com uma história de vida cheia de realizações. Parece normal, adaptado e aceito. Feliz, em suma. E que inveja!!!! Então os normais querem saber a cura, querem saber como ele conseguiu, para poder ajudar os disléxicos que amam e que ainda não conseguiram dar um passo maior. E os disléxicos querem saber como um "igual" conseguiu ser "diferente"... Irônico.
É neste ponto que começo a me fazer algumas perguntas. Em primeiro lugar, por que procuramos uma "cura" para a dislexia? Ela é mesmo uma doença? Em segundo lugar, qual é o problema de sermos diferentes? Não é a diversidade o grande diferencial do ser humano? Em terceiro lugar, se os disléxicos se sentem discriminados por nós, não seríamos nós que deveríamos mudar? E quem disse que todos temos que seguir o mesmo caminho para alcançarmos nossos objetivos? E quem disse que nossos objetivos têm que se iguais? E onde está escrito que ser disléxico é ruim? Por fim, quem somos nós para sairmos por aí julgando uns aos outros? Não paramos para pensar que é nosso julgamento cheio de idéias pré-concebidas que faz com que o sofrimento seja gerado? Afinal, o que nós buscamos?
Dislexia é uma disfunção do cérebro no processamento das informações (principalmente no que tange à palavra escrita e ao cálculo), mas não é uma doença. Por quê? Simplesmente porque se fosse uma doença, aqueles que conseguiram êxito teriam ficado curados. Mas continuam sendo perfeitamente... disléxicos. É só parar para pensar: quem combate uma infecção de garganta e tem sucesso é porque ficou curado, ou seja, não existe mais nenhum traço da doença em seu organismo. A mesma coisa ocorre com quem enfrenta o câncer. Ou seja, em casos simples ou graves, a cura vem da extinção do problema.
Mas alguém já parou para conversar com um disléxico que conseguiu ir adiante? E em algum momento ele disse que deixou de ser disléxico? Se é assim, não foi o remédio ou a terapia ou a "cura" que o fizeram ir além. Claro que suporte é importante, mas muito mais devido ao sentimento de inferioridade e ao preconceito do que por qualquer outro motivo. O disléxico que teve sucesso profissional e acadêmico é, antes de tudo, disléxico. E se assume como tal, sem vergonha ou medo. Só que ele conseguiu um meio próprio, pessoal, de driblar a dislexia e de se encaixar no mundo "normal". Já imaginou o que é isso? Que capacidade imensa de raciocínio e de percepção? Que força de vontade e que perseverança incríveis? Que inteligência fantástica? É só fazermos o raciocínio inverso: será que nós, os normais, conseguiríamos passar um dia na pele de um disléxico? Quem consegue "imitar" um disléxico sem cometer nenhuma falha? Quem consegue se submeter a diversos tipos de avaliações e testes sem se sentir uma cobaia ou sem se sentir deslocado?
Pois é.
Se você ainda não tinha pensado nisso, provavelmente também não percebeu que cada disléxico é diferente do outro (afinal, cada ser humano é diferente do outro) e que o padrão da dislexia só serve para nós tentarmos entendê-los. Porque os disléxicos sabem muito bem quem são e que dificuldades enfrentam. Eles não têm incapacidade mental, não são "retardados" nem "burros". Apenas seu cérebro funciona de outra forma. E somos nós que não conseguimos ver isso. E por nossa dificuldade de entender como um disléxico processa as informações, os taxamos de incapazes. Pense bem: se uma das principais barreiras para o disléxico é a escola, por que a escola não se torna mais ampla e tenta fornecer a essa criança a oportunidade de aprender de forma diferente?
Por que é tão difícil imaginar um sistema educacional novo? Por que nos apegamos tanto ao ensino tradicional se estamos vendo a todo momento que ele não abrange satisfatoriamente as necessidades de um grupo imenso da população? E não estou falando apenas de disléxicos...
De forma geral, temos muita dificuldade em aceitar diferenças. E de nos adaptar a elas. E se a diferença está em um semelhante, aí mesmo é que não queremos vê-la. No final das contas, esse é meu recado: aceitem os disléxicos que vocês amam como eles são. Tentar "curá-los" é tentar fazer com que deixem de ser eles mesmos. E se vocês os amam desse jeito mesmo, por que outras pessoas também não serão capazes de fazê-lo? Cabe a nós perdermos essa necessidade de igualar todas as pessoas.
Claro que queremos que nossos disléxicos tenham sucesso na escola e/ou na profissão, mas não temos que igualá-los aos outros para isso. Temos que perder essa ansiedade, que só atrapalha. Disléxicos não são nem melhores nem piores do que qualquer outra pessoa. Todos nós temos limitações, ninguém pode tudo. Mas o mundo foi adaptado às limitações da maioria, que são as pessoas consideradas normais, e essas limitações são amplamente aceitas. Por isso, caros "normais", não se angustiem com outros tipos de limitações. Isso só gera medo, insegurança e conflitos. Crianças, adolescente ou adultos, todos precisamos nos afirmar como "capazes". E todos somos. Só é preciso encontrar o jeito de cada um.
Abraços a todos,
Érica Ciarlini - Médica e esposa de um disléxico.
Percebi que diversas questões são levantadas por pais e por pessoas que convivem com os disléxicos neste grupo, inclusive em relação ao uso de medicamentos, na tentativa de ajudar os disléxicos a se curarem ou pelo menos a melhorarem sua performance acadêmica. Bom, é aí que começa meu depoimento...
Quando estamos emocionalmente envolvidos com pessoas que apresentam algum tipo de padrão fora do "normal", tendemos a ficar angustiados e apreensivos por aqueles que amamos. Tanto faz ser um padrão físico, emocional, comportamental, social ou de qualquer outra natureza. Aqueles que não se encaixam na normalidade do grupo em que estão inseridos tendem a ser marginalizados. E não queremos isso para aqueles que nos são caros. Então tentamos de várias formas fazer com que as pessoas se "encaixem", se "adequem", para que possam ser aceitas e não serem motivo de risadas e chacotas, para que nós, os "normais", fiquemos mais tranqüilos.
É bom saber que nossos entes queridos também são plenamente aceitos, não é? E que sensação boa quando seus males são aliviados ou curados! E que alegria ver que todos estamos trilhando o mesmo caminho para a felicidade e o sucesso! E é muito bom poder ajudar.
Certamente são posturas nobres e que exigem, às vezes, um enorme esforço daqueles que são "normais", porque não é fácil para nós conviver com pessoas que estão constantemente nos surpreendendo com diferenças com as quais nem sempre conseguimos lidar de forma positiva. E de vez em quando nos desesperamos e até mesmo tendemos a desistir, porque é muito desgastante ficar por anos a fio buscando a resolução de um problema que parece insolúvel. Por outro lado, os disléxicos também se esforçam muito para se adaptar ao mundo como ele deve ser, mas nem sempre conseguem ver progressos apesar de todas as exaustivas tentativas. E sofrem. E deste sofrimento vem a irritabilidade, a raiva, a ira, o ódio e a vontade de jogar tudo para o alto.
E o sentimento de inferioridade, de derrota, de fracasso como pessoa e como profissional. Aquele que nunca vai conseguir ser ninguém na vida porque nasceu com um problema no cérebro. E os que são normais não conseguem encontrar a cura para esse mal. E os disléxicos tornam-se um fardo para os outros e um peso morto para si mesmos. Simplesmente chegamos a um beco sem saída...
Até que, num belo dia, alguém que diz ser disléxico aparece com uma história de vida cheia de realizações. Parece normal, adaptado e aceito. Feliz, em suma. E que inveja!!!! Então os normais querem saber a cura, querem saber como ele conseguiu, para poder ajudar os disléxicos que amam e que ainda não conseguiram dar um passo maior. E os disléxicos querem saber como um "igual" conseguiu ser "diferente"... Irônico.
É neste ponto que começo a me fazer algumas perguntas. Em primeiro lugar, por que procuramos uma "cura" para a dislexia? Ela é mesmo uma doença? Em segundo lugar, qual é o problema de sermos diferentes? Não é a diversidade o grande diferencial do ser humano? Em terceiro lugar, se os disléxicos se sentem discriminados por nós, não seríamos nós que deveríamos mudar? E quem disse que todos temos que seguir o mesmo caminho para alcançarmos nossos objetivos? E quem disse que nossos objetivos têm que se iguais? E onde está escrito que ser disléxico é ruim? Por fim, quem somos nós para sairmos por aí julgando uns aos outros? Não paramos para pensar que é nosso julgamento cheio de idéias pré-concebidas que faz com que o sofrimento seja gerado? Afinal, o que nós buscamos?
Dislexia é uma disfunção do cérebro no processamento das informações (principalmente no que tange à palavra escrita e ao cálculo), mas não é uma doença. Por quê? Simplesmente porque se fosse uma doença, aqueles que conseguiram êxito teriam ficado curados. Mas continuam sendo perfeitamente... disléxicos. É só parar para pensar: quem combate uma infecção de garganta e tem sucesso é porque ficou curado, ou seja, não existe mais nenhum traço da doença em seu organismo. A mesma coisa ocorre com quem enfrenta o câncer. Ou seja, em casos simples ou graves, a cura vem da extinção do problema.
Mas alguém já parou para conversar com um disléxico que conseguiu ir adiante? E em algum momento ele disse que deixou de ser disléxico? Se é assim, não foi o remédio ou a terapia ou a "cura" que o fizeram ir além. Claro que suporte é importante, mas muito mais devido ao sentimento de inferioridade e ao preconceito do que por qualquer outro motivo. O disléxico que teve sucesso profissional e acadêmico é, antes de tudo, disléxico. E se assume como tal, sem vergonha ou medo. Só que ele conseguiu um meio próprio, pessoal, de driblar a dislexia e de se encaixar no mundo "normal". Já imaginou o que é isso? Que capacidade imensa de raciocínio e de percepção? Que força de vontade e que perseverança incríveis? Que inteligência fantástica? É só fazermos o raciocínio inverso: será que nós, os normais, conseguiríamos passar um dia na pele de um disléxico? Quem consegue "imitar" um disléxico sem cometer nenhuma falha? Quem consegue se submeter a diversos tipos de avaliações e testes sem se sentir uma cobaia ou sem se sentir deslocado?
Pois é.
Se você ainda não tinha pensado nisso, provavelmente também não percebeu que cada disléxico é diferente do outro (afinal, cada ser humano é diferente do outro) e que o padrão da dislexia só serve para nós tentarmos entendê-los. Porque os disléxicos sabem muito bem quem são e que dificuldades enfrentam. Eles não têm incapacidade mental, não são "retardados" nem "burros". Apenas seu cérebro funciona de outra forma. E somos nós que não conseguimos ver isso. E por nossa dificuldade de entender como um disléxico processa as informações, os taxamos de incapazes. Pense bem: se uma das principais barreiras para o disléxico é a escola, por que a escola não se torna mais ampla e tenta fornecer a essa criança a oportunidade de aprender de forma diferente?
Por que é tão difícil imaginar um sistema educacional novo? Por que nos apegamos tanto ao ensino tradicional se estamos vendo a todo momento que ele não abrange satisfatoriamente as necessidades de um grupo imenso da população? E não estou falando apenas de disléxicos...
De forma geral, temos muita dificuldade em aceitar diferenças. E de nos adaptar a elas. E se a diferença está em um semelhante, aí mesmo é que não queremos vê-la. No final das contas, esse é meu recado: aceitem os disléxicos que vocês amam como eles são. Tentar "curá-los" é tentar fazer com que deixem de ser eles mesmos. E se vocês os amam desse jeito mesmo, por que outras pessoas também não serão capazes de fazê-lo? Cabe a nós perdermos essa necessidade de igualar todas as pessoas.
Claro que queremos que nossos disléxicos tenham sucesso na escola e/ou na profissão, mas não temos que igualá-los aos outros para isso. Temos que perder essa ansiedade, que só atrapalha. Disléxicos não são nem melhores nem piores do que qualquer outra pessoa. Todos nós temos limitações, ninguém pode tudo. Mas o mundo foi adaptado às limitações da maioria, que são as pessoas consideradas normais, e essas limitações são amplamente aceitas. Por isso, caros "normais", não se angustiem com outros tipos de limitações. Isso só gera medo, insegurança e conflitos. Crianças, adolescente ou adultos, todos precisamos nos afirmar como "capazes". E todos somos. Só é preciso encontrar o jeito de cada um.
Abraços a todos,
Érica Ciarlini - Médica e esposa de um disléxico.
Maravilhoso! é ótimo saber que existem pessoas de opinião no mundo, e que não se limitam as diferenças, muito bom, já sou fã!
ResponderExcluire sim, todos somos capazes!!!
\o/
Sou Sua Fã.Bjos de Luz
ResponderExcluirObrigada Marah. Beijo grande para você também!!
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