Como
interagir com o disléxico em sala de aula
Fonte - ABD - Associação Brasileira de Dislexia
Uma
educação para todos precisa valorizar a heterogeneidade, pois a diversidade
dinamiza os grupos, enriquece as relações e interações, levando a despertar no
educando o desejo de se comprometer e aprender. Desta forma, a escola passa a
ser um lugar privilegiado de encontro com o outro, para todos e para cada um,
onde há respeito por pessoas diferentes.
É na escola
que a dislexia, de fato, aparece. Há disléxicos que revelam suas dificuldades
em outros ambientes e situações, mas nenhum deles se compara à escola, local
onde a leitura e escrita são permanentemente utilizadas e, sobretudo,
valorizadas. Entretanto, a escola que conhecemos certamente não foi feita para
o disléxico. Objetivos, conteúdos, metodologias, organização, funcionamento e avaliação
nada têm a ver com ele. Não é por acaso que muitos portadores de dislexia não
sobrevivem à escola e são por ela preteridos. E os que conseguem resistir a ela
e diplomar-se o fazem, astuciosa e corajosamente, por meio de artifícios, que
lhes permitem driblar o tempo, os modelos, as exigências burocráticas, as
cobranças dos professores, as humilhações sofridas e, principalmente, as notas.
Neste
contexto, o educador deve estar aberto para lidar com as diferenças, e como
Frederic Litto, da Escola do Futuro da USP coloca: ”deve ser um estimulador do
prazer de aprender, um alquimista em fazer o aluno enxergar o “contexto“ e o
“sentido” e, um especialista em despertar a autoestima”. Para que isto ocorra,
deve transformar a sala de aula em uma “oficina”, preparada para exercitar o
raciocínio, isto é, onde os alunos possam aprender a ser objetivos, a mostrar
liderança, resolver conflitos de opinião, a chegar a um denominador comum e
obter uma ação construtiva. Sob este prisma, a interação com o aluno disléxico
torna-se facilitada, pois, apesar do distúrbio de linguagem, este aluno
apresenta potencial intelectual e cognitivo preservado; desta maneira estará
sendo estimulado e respeitado, além de se favorecer um melhor desempenho.
A seguir
estão algumas atitudes que podem facilitar a interação:
- Dividir a
aula em espaços de exposição, seguido de uma “discussão” e síntese ou jogo
pedagógico;
- Dar “dicas”
e orientar o aluno como se organizar e realizar as atividades na carteira;
- Valorizar
os acertos;
- Estar atento
na hora da execução de uma tarefa que seja realizada por escrito, pois seu
ritmo pode ser mais lento por apresentar dificuldade quanto à orientação e
mapeamento espacial, entre outras razões;
- Observar
como ele faz as anotações da lousa e auxiliá-lo a se organizar;
- Desenvolver
hábitos que estimulem o aluno a fazer uso consciente de uma agenda para recados
e lembretes;
- Na hora de
dar uma explicação usar uma linguagem direta, clara e objetiva e verificar se
ele entendeu;
- Permitir
nas séries iniciais o uso de tabuadas, material dourado, ábaco e para alunos
que estão em séries mais avançadas, o uso de fórmulas, calculadora, gravador e
outros recursos sempre que necessário;
- É
equivocado insistir em exercícios de “fixação“: repetitivos e numerosos, isto
não diminui sua dificuldade.
Levando-se
em conta que o ensino, a aprendizagem e a avaliação constituem um ciclo
articulado, deve-se para isso cumprir quatro perspectivas importantes:
Ser formativa
Ser qualitativa
Ser construtivista
Multimeios
A inclusão
do aluno disléxico na escola, como pessoa portadora de necessidade especial,
está garantida e orientada por diversos textos legais e normativos.
A lei
9.394, de 20/12/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), por exemplo, prevê:
– que a
escola o faça a partir do artigo 12, inciso I, no que diz respeito à elaboração
e à execução da sua Proposta Pedagógica;
– que a
escola deve prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento
(inciso V);
– que se
permita à escola organizar a educação básica em séries anuais, períodos
semestrais e ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não
seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios ou por forma
diversa de organização (artigo 23);
– que a
avaliação seja contínua e cumulativa, com a prevalência dos aspectos
qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período
(artigo 24, inciso V, a alínea a).
Diante de
tais possibilidades, é possível construir uma Proposta Pedagógica e rever o
Regimento Escolar considerando o aluno disléxico.
Na Proposta
Pedagógica existem as seguintes possibilidades:
a) Provas escritas, de caráter operatório,
contendo questões objetivas e/ou dissertativas, realizadas individualmente e/ou
em grupo, sem ou com consulta a qualquer fonte;
b) Provas orais, através de discurso ou
argüições, realizadas individualmente ou em grupo, sem ou com consulta a
qualquer fonte;
c)
Testes;
d)
Atividades práticas, tais como trabalhos variados, produzidos e apresentados
através de diferentes expressões e linguagens, envolvendo estudo, pesquisa,
criatividade e experiências práticas realizados individualmente ou em grupo,
intra ou extraclasse;
e) Diários;
f) Fichas avaliativas;
g) Pareceres descritivos;
h) Observação de comportamento, tendo por
base os valores e as atitudes identificados nos objetivos da escola
(solidariedade, participação, responsabilidade, disciplina e ética).
É
importante manter a comunidade educativa permanentemente informada a respeito
da dislexia. Informações sobre eventos que tratam do assunto e seus resultados,
desempenho dos alunos portadores da dislexia, características desse distúrbio
de aprendizagem, maneiras de ajudar o aluno disléxico na escola, etc.
Não é
necessário que alunos disléxicos fiquem em classe especial. Alunos disléxicos
têm muito a oferecer para os colegas e muito a receber deles. Essa troca de
humores e de saberes, além de afetos, competências e habilidades só faz crescer
amizade, a cooperação e a solidariedade.
A avaliação
de dislexia traz sempre indicação para acompanhamento específico em uma ou mais
áreas profissionais (fonoaudiologia, psicopedagogia, psicologia…), de acordo
com o tipo e nível de dislexia constatado. Assim sendo, a escola precisa
assegurar, desde logo, os canais de comunicação com o(s) profissional(is)
envolvido(s), tendo em vista a troca de experiências e de informações.
Os
professores que trabalham com a classe desse aluno(a) devem saber da existência
do quadro de dislexia. Quanto aos colegas, o critério é do aluno: se ele quiser
contar para os companheiros que o faça.
Possíveis
Dificuldades Enfrentadas Pelos Educadores:
Não há
receita para trabalhar com alunos disléxicos. Assim, é preciso mais tempo e
mais ocasiões para a troca de informações sobre os alunos, planejamento de
atividades e elaboração de instrumentais de avaliação específicos;
Relutância
inicial (ou dificuldade) por parte de alguns professores para separar o
comportamento do aluno disléxico das suas dificuldades;
Receio do
professor em relação às normas burocráticas, aos companheiros de trabalho, aos
colegas do aluno disléxico, familiares, etc.;
Angústia do
professor em relação ao nível de aprendizado do aluno e às suas condições para
enfrentar o vestibular;
Tempo
necessário para cada professor percorrer a sua trajetória pessoal em relação a
esta questão.
Procedimentos Básicos:
Trate o
aluno disléxico com naturalidade. Ele é um aluno como qualquer outro; apenas,
disléxico. A última coisa para a qual o diagnóstico deveria contribuir seria
para (aumentar) a sua discriminação.
Use a
linguagem direta, clara e objetiva quando falar com ele. Muitos disléxicos têm
dificuldade para compreender uma linguagem (muito) simbólica, sofisticada e
metafórica. Seja simples, utilize frases curtas e concisas ao passar
instruções.
Fale
olhando direto para ele. Isso ajuda e muito. Enriquece e favorece a
comunicação.
Traga–o
para perto da lousa e da mesa do professor. Tê-lo próximo à lousa ou à mesa de
trabalho do professor, pode favorecer o diálogo, facilitar o acompanhamento,
facilitar a orientação, criar e fortalecer novos vínculos.
Verifique
sempre e discretamente se ele demonstra estar entendendo a sua exposição. Ele tem dúvidas a respeito do que está sendo
objeto da sua aula? Ele consegue
entender o fundamento, a essência, do conhecimento que está sendo tratado? Ele
está acompanhando o raciocínio, a explicação, os fatos? Repita sempre que
preciso e apresente exemplos, se for necessário.
Certifique-se
de que as instruções para determinadas tarefas foram compreendidas. O que, quando, onde, como, com o que, com
quem, em que horário etc. Não economize tempo para constatar se ficou realmente
claro para o aluno o que se espera dele.
Observe
discretamente se ele fez as anotações da lousa e de maneira correta antes de
apagá-la. O disléxico tem um ritmo diferente dos não-disléxicos, portanto,
evite submetê-lo a pressões de tempo ou competição com os colegas.
Observe se
ele está se integrando com os colegas. Geralmente o disléxico angaria simpatias
entre os companheiros. Suas qualidades e habilidades são valorizadas, o que
lhes favorece o relacionamento. Entretanto, sua inaptidão para certas
atividades escolares (provas em dupla, trabalhos em grupo, etc.) pode levar os
colegas a rejeitá-lo nessas ocasiões. O professor deve evitar situações que
evidenciem esse fato. Com a devida distância, discreta e respeitosamente, deve
contribuir para a inserção do disléxico no grupo-classe.
Estimule-o,
incentive-o, faça-o acreditar em si, a sentir-se forte, capaz e seguro. O
disléxico tem sempre uma história de frustrações, sofrimentos, humilhações e
sentimentos de menos valia, para a qual a escola deu uma significativa
contribuição. Cabe, portanto, a essa mesma escola, ajudá-lo a resgatar sua
dignidade, a fortalecer seu ego, a (ri) construir sua auto-estima.
Sugira-lhe
“dicas”, “atalhos”, “jeitos de fazer”, “associações”… que o ajudem a lembrar-se
de, a executar atividades ou a resolver problemas.
Não lhe
peça para fazer coisas na frente dos colegas, que o deixem na berlinda:
principalmente ler em voz alta.
Atenção: em
geral, o disléxico tende a lidar melhor com as partes do que com o todo.
Abordagens e métodos globais e dedutivos são de difícil compreensão para ele.
Apresente-lhe o conhecimento em partes, de maneira dedutiva.
Permita,
sugira e estimule o uso de gravador, tabuada, máquina de calcular, recursos da
informática…
Permita,
sugira e estimule o uso de outras linguagens.
O disléxico tem dificuldade para ler e entender o que lê. Assim sendo:
Avaliações
que contenham exclusivamente textos, sobretudo textos longos, não devem ser
aplicadas a tais alunos;
Utilize uma
única fonte, simples, em toda a prova (preferencialmente “Arial 11” ou “Times
New Roman 12”), evitando-se misturar fontes e tamanhos, sobretudo às
manuscritas (itálicas e rebuscadas);
Para
avaliações ofereça uma folha de prova limpa, sem rasuras, sem riscos ou sinais
que possam confundir o leitor;
Leia a
prova em voz alta e, antes de iniciá-la, verifique se os alunos entenderam o
que foi perguntado, se compreenderam o que se espera que seja feito (o que e
como);
Destaque
claramente o texto de sua(s) respectiva(s) questão(ões);
Recorra a
símbolos, sinais, gráficos, desenhos, modelos, esquemas e assemelhados, que
possam fazer referência aos conceitos trabalhados;
Não utilize
textos científicos ou literários (mormente os poéticos) que sejam densos,
carregados de terminologia específica, de simbolismos, de eufemismos, de
vocábulos com múltiplas conotações… para que o aluno os interprete
exclusivamente a partir da leitura. Nesses casos, recorra à oralidade;
Evite
estímulos visuais “estranhos” ao tema em questão;
Se utilizar
figuras, fotos, ícones ou imagens, cuidar para que haja exata correspondência
entre o texto escrito e a imagem;
Dê
preferência às avaliações orais, através das quais, em tom de conversa, o aluno
tenha a oportunidade de dizer o que sabe sobre o(s) assunto(s) em questão;
Não indique
livros apenas para leituras paralelas. Dê preferência a outras experiências que
possam contribuir para o alcance dos objetivos previstos: assistir a um filme,
a um documentário, a uma peça de teatro, visitar um museu, um laboratório, uma
instituição, empresa ou assemelhado, recorrer a versões em quadrinhos, em
animações, em programas de informática;
Ao empregar
questões de falso-verdadeiro:
Construa um
bom número de afirmações verdadeiras e em seguida reescreva a metade,
tornando-as falsas;
Evite o uso
da negativa e também de expressões absolutas;
Construa as
afirmações com bastante clareza e aproximadamente com a mesma extensão;
Inclua
somente uma idéia em cada afirmação;
5. Evite formular questões negativas.
Ao empregar
questões de associações:
Trate de um
só assunto em cada questão;
Redija
cuidadosamente os itens para que o aluno não se atrapalhe com os mesmos.
Faça com
que a lacuna corresponda à palavra ou expressão significativas, que envolvam
conceitos e conhecimentos básicos e essenciais – também chamados de
“ferramentas” e não a detalhes secundários;
Ao empregar
questões de lacuna:
5. Conserve a terminologia presente no livro
adotado ou no registro feito em aula.
O disléxico
tem dificuldade para reconhecer e orientar-se no espaço visual. Assim sendo,
observe as
direções da escrita (da esquerda para a direita e de cima para baixo) em todo o
corpo da avaliação.
O disléxico tem dificuldade com a memória
visual e/ou auditiva (o que lhe dificulta ou lhe impede de automatizar a
leitura e escrita). Assim sendo,
Repita o
enunciado na(s) página(s), sempre que se fizer necessário;
Não elabore
avaliações que privilegiem a memorização de nomes, datas, fórmulas, regras
gramaticais, espécies, definições, etc. Quando tais informações forem
importantes, forneça-as ao aluno (verbalmente ou por escrito) para que ele
possa servir-se delas e empregá-las no seu raciocínio ou na resolução do
problema;
Privilegie
a avaliação de conceitos e de habilidades e não de definições;
Permita a
utilização da tabuada, calculadora, gravador, anotações, dicionários e outros
registros durante as avaliações;
Dê
instruções curtas e simples (e uma de cada vez) para evitar confusões;
Elabore
questões em que o aluno possa demonstrar o que aprendeu completando,
destacando, identificando.
O aluno disléxico ou com outras dificuldades
de aprendizagem tende a ser lento(ou muito lento).
Assim sendo,
Dê mais
tempo para realizar a prova;
Possibilite
a realização da prova num outro ambiente da escola (sala de orientação,
biblioteca, sala de grupo);
Elabore
mais avaliações e com menos conteúdo, para que o aluno possa realizá-las num
menor tempo.
Considere
que o aluno disléxico já tem dificuldades para automatizar o código linguístico
da própria língua e isso se acentua em relação à língua estrangeira.
Considerando
que a avaliação tem a finalidade fundamental de adequar os processos didáticos
às necessidades dos alunos (finalidade reguladora), devemos cada vez mais
destacar a necessidade da autorregulação dos alunos para adequar os próprios
processos de aprendizagem e poder aprender.
Neste processo, a professora, os
colegas e o próprio aluno atuam como agentes, avaliando e refletindo sobre como
se desenvolve a tarefa, para poder fazer os ajustes em suas estratégias de
aprendizagem de maneira autônoma.
Alguns
aspectos práticos a serem observados em relação à avaliação:
Avaliar
continuamente (maior número de avaliações e menor número de conteúdo);
Personalizar
a avaliação sempre que possível. Desenhos, figuras, esquemas, gráficos e
fluxogramas, ilustram, evocam lembranças ou substituem muitas palavras e levam
aos mesmos objetivos;
Quando for
idêntica a dos colegas, leia você mesmo(a) os enunciados em voz alta,
certificando-se de que ele compreendeu as questões;
Durante a
avaliação preste a assistência necessária, dê a ele chance de explicar
oralmente o que não ficou claro por escrito e respeite o seu ritmo;
Ao
corrigi-la, valorize não só o que está explícito como também o implícito e
adapte os critérios de correção para a sua realidade;
Não faça
anotações na folha da prova (sobretudo juízo de valor);
Não
registre a nota sem antes:
Retomar a
prova com ele e verificar, oralmente, o que ele quis dizer com o que escreveu;
Pesquisar,
principalmente, sobre a natureza do(s) erro(s) cometido(s). Ex.: Não entendeu o
que leu e por isso não respondeu corretamente ao solicitado? Leu, entendeu, mas
não soube aplicar o conceito ou a fórmula? Aplicou o conceito (ou a fórmula),
mas desenvolveu o raciocínio de maneira errada?
Em outras palavras: em que errou e por que errou?
Dê ao aluno
a opção de fazer prova oral ou atividade que utilize diferentes expressões e
linguagens. Exigir que o disléxico comunique o que sabe, levante questões, proponha
problemas e apresente soluções exclusivamente através da leitura e da escrita é
violentá-lo; é, sobretudo, negar um direito – natural – de comunicar-se, de
criar, de livre expressar-se.
Educador lembre-se que aqui estão alguns
procedimentos para ajudá-lo na sua prática do dia-a-dia, sua experiência, seu
feeling e seu compromisso com o ato de educar, também, irão pesar de forma
significativa.
Autores do
Texto: Psicóloga, Psicopedagoga e Professora Ana Luiza Borba
Orientador
Educacional e Prof. Mario Ângelo Braggio
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